O IABsp vem a público se manifestar a respeito da tragédia ocorrida nas cidades do Rio Grande do Sul e lamenta profundamente pelas famílias que sofreram quaisquer perdas e danos. Os eventos climáticos extremos ocorridos são catastróficos e marcam o começo de uma longa era de desastres, que não podem ser considerados como meramente naturais. Se, com o atual aumento de 1,5 °C em relação à média de temperatura do período pré-industrial, as perdas humanas, materiais e de infraestrutura já são uma nova realidade, ultrapassando os 2°C, passaremos rapidamente para 4°C a mais, o que pode ser um ponto sem retorno. Especificamente quanto às cidades brasileiras, no período entre 2010 e 2023, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN) constataram um aumento do número de município classificados como de alto risco de 825 para 2.300, que implica mais de 10 milhões de pessoas vivendo hoje em áreas de risco.
A sobreposição desses dados explicita a inadequação do nosso atual modelo de desenvolvimento, ocupação do território e construção de cidades, e a exposição de toda a população a desastres, sobretudo das historicamente excluídas. Isso exige inovação e objetividade no pensar e fazer urbano; a ruptura imediata com o ciclo atual de produção do espaço, em benefício de propostas adaptadas ao novo paradigma climático que vivemos; e a priorização do tema na agenda pública, bem como a responsabilidade dos poderes legislativos e executivos – sobretudo em um ano de pleitos municipais.
No campo da prevenção e das ações de curto prazo, é urgente a assistência às famílias atingidas visando a garantia de seus direitos. Além disso, são necessárias ações coordenadas dos órgãos de Defesa Civil dos estados e municípios e o trabalho conjunto com as populações, bem como a ampliação dos recursos para esses órgãos e sua articulação com as demais políticas de monitoramento, planejamento, controle e educação ambiental, ao contrário do desmonte que vem se tornando frequente. É fundamental também implementar medidas de controle social e monitoramento participativo de riscos junto às comunidades mais expostas a eles. É preciso, ainda, a implicação de profissionais de arquitetura e urbanismo na reconstrução das cidades, e que governos implementem programas de assistência técnica em habitações de interesse social (ATHIS) para tanto. Com isso, espera-se evitar perdas humanas e materiais do porte das que aconteceram no Rio Grande do Sul, no Litoral Norte de São Paulo, na Bahia, Recife e Petrópolis, entre tantas outras tragédias urbano-ambientais.
Mas esse cenário também deve ser analisado a longo prazo. As tragédias recentes não são resultado apenas do descaso atual, mas de um antigo projeto de modernidade e colonialidade de nossas cidades, em que vemos a repetição de formas e estratégias urbanas que produziram o risco de desastres humanos e ambientais: canalização de rios e córregos, impermeabilização do solo urbano, redução dramática de nossas reservas verdes, ocupação das margens ribeirinhas, flexibilização da legislação para atendimento de interesses imobiliários, espoliação das populações historicamente marginalizadas para áreas suscetíveis a desastres, e os processos urbanos de exploração da infraestrutura urbana enquanto negócio do capitalismo. Os esforços recentes de criação de uma nova filosofia multidisciplinar, que busca abordar a cidade como um organismo conectado aos ecossistemas naturais, e adaptado ao novo cenário de aquecimento global, devem sair do campo das especulações e assumir um protagonismo no debate das cidades.
Neste sentido, o Instituto de Arquitetos do Brasil – departamento de São Paulo (IABsp) vem trabalhando e dirigindo parte importante de seus recursos para colaborar com a institucionalização da agenda, produzindo debates, articulações entre governos e sociedade civil, e materiais de referência que reúnem saberes acadêmicos, técnicos e populares. Por isso, criou o Grupo de Trabalho Clima e Cidade, que realizou em 2023 o I Seminário Emergência Climática e Cidades, e publicou seus resultados no livro digital gratuito de mesmo nome em seu site. Além disso, o IABsp definiu como tema central da 14ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, a ser realizada em 2025, o tema da emergência climática e cidades. Nesse sentido, convidamos, desde já, atores e agentes comprometidos com a construção de cidades mais resilientes a se engajar conosco nessa transformação. Procure o IABsp e saiba como colaborar.